segunda-feira, 9 de maio de 2011

Uma estagiária, uma diretora, uma adolescente e um short curto demais (parte 2)

Leia aqui a parte 1.

Não eram gritos de desespero, que fizessem com que todos fossem em busca de acudir alguém. Eram broncas severas, cheias de agressividade, lições de moral e ofensas. E todos reconhecemos que a voz que gritava era a da diretora. Já a voz miúda, que tentava se justificar, era da estudante que havia chegado para a reunião do jornal.

Depois de alguns minutos constrangedores, o silêncio veio juntamente com a diretora. Ela veio nos explicar que a estudante voltara para casa porque chegou à escola com um short curto demais, e por isso sua entrada não foi permitida. E começou a falar alto mais uma vez, como se a estudante pudesse ouvi-la do outro lado da rua, ou talvez para outras que, como ela, não soubesse se vestir de forma “decente” e um dia ousassem chegar ao colégio em tais trajes.

A reunião não aconteceu porque a menina estava com todo o material que precisávamos e sequer foi permitida de adentrar o colégio para nos cumprimentar ou entregar sua pasta. Eu voltei desolada, revoltada com o que houvera e por um motivo tão banal ter perdido a chance de realizar uma reunião com estudantes que queriam muito realizar o projeto, mas estavam com dificuldades. O prejuízo pela perda da reunião era muito maior do que qualquer lição de boas condutas que a diretora talvez quisesse, de forma tão violenta, ter passado à aluna.

Fiquei desolada pela forma como a diretora falou com a adolescente, tão estupidamente humilhante, gritada para que todos os seus colegas e outros funcionários ouvissem. Algo que poderia ter sido feito de forma muito mais respeitosa, na sala da direção. Que poderia ter sido perdoado só daquela vez, para que a menina participasse da atividade e não viesse vestida daquela forma de novo. Ou que ela pelo menos não tivesse sido ofendida pela diretora, que a chamou de “vulgar”, “umazinha qualquer”, entre outros adjetivos nada dignos de saírem da boca de uma gestora de educação para uma adolescente de 13 anos.

Conversando com a assistente social que coordenava o projeto, ela me ofereceu vários pontos de vista. Em primeiro lugar, ela condenou veementemente a atitude da diretora. Destacou que aquela não era a forma de falar com ninguém, imagine com uma adolescente. Uma das coisas que me chamou a atenção é que a diretora disse à menina “você com certeza não tem só esse short!”, ao que a coordenadora do projeto me contestou: "como ela pode saber? Como ela pode ter certeza disso, que a menina não tinha só aquela roupa para ir à reunião?" E isso me deixou um tanto chocada, porque aí eu percebi que esse tipo de coisa realmente pode existir, e muitas vezes por estarmos numa condição confortável o suficiente, não nos damos conta.

Por outro lado, disse a coordenadora, imagine a pressão que essa diretora sofre naquela escola. Sem amparo público o suficiente, vendo adolescentes engravidarem e outras indo para as drogas e crime. Sendo ofendida por estudantes e pais de alunos, algumas vezes até ameaçada e saindo do trabalho, localizado numa periferia carente, estressada e com medo. Que condições essa profissional têm de fazer as coisas tal como ela deveria ter aprendido na universidade? Quanto ela ganha? Em quantas outras escolas não deve trabalhar para sustentar a família? Há quanto tempo ela não participa de uma discussão pedagógica para aperfeiçoar seus métodos?

E aí a coordenadora do projeto em que eu atuava comentou todas as diversas facetas envolvidas naquele incidente. Porque os pais da menina dificultavam que ela participasse plenamente do projeto? Será que eles tinham condições de perceber o quanto aquela experiência seria importante para a filha deles?

Porque a menina usaria aquele short para ir à escola ou a qualquer outro lugar? Será que ela tinha condições de perceber questões como a banalização do corpo das mulheres?

E esse episódio ficou marcado para sempre em minha memória, pois foi uma das primeiras vezes em que percebi o quanto nosso contexto é complexo, e que não dá para colocar a culpa em uma só personagem. Porque na maioria das vezes a culpa não é só da adolescente, do short ou da diretora.

Ou mesmo da estagiária, que por mais revoltada que estivesse, não fez nada diante da situação.


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